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Em que fase você está?

Em momentos de crise, diante de uma grande mudança, ou situação que tem potencial para gerar uma transformação significativa, entramos em um processo que poderá ser constituído de algumas fases. É importante que possamos saber sobre elas para nos perceber, para poder nos ajudar a entender e a acompanhar o que acontece em nosso íntimo.

Para caminhar por esse processo, farei uma relação com as fases que Elisabeth Kübler-Ross postulou ao acompanhar processos de luto. De certa forma, não deixa de ser um processo de luto o que vivemos atualmente já que há uma perda do conhecido e alguma incerteza sobre o que virá. Mas é também, e acima de tudo, uma renovação. Não é o fim do mundo, de forma concreta, o apocalipse. Mas, talvez, e eu espero que sim, seja o fim de um determinado conceito de mundo. Um conceito que nos fala de um mudo adoecido, fascinado pelo efêmero e pela aparência, pelo consumo desmedido, de grande desigualdade social e preconceitos, de uma falta de sentido de vida e de um vazio existencial, dentre outras características. Talvez esse mundo precise morrer para um novo mundo nascer. Podemos olhar sobre essa perspectiva e é com essa intenção que citarei cada uma das fases.

FASE 01: Negação

Num primeiro momento, pode ser muito difícil nos relacionarmos com as informações que chegam e com tudo o que pode ser alterado e afetado pela nova situação. Isso faz com que nossas defesas se levantem e, de antemão, lhes digo que não há nada de errado com isso, pois se trata de um mecanismo automático de preservação. O problema é se ficarmos preso nele, e passarmos mais tempo negando do que deveríamos, uma vez que podemos perder um tempo precioso. Nesta fase, as emoções e os pensamentos que já estão em movimento dentro da gente podem ocupar um lugar escondido dentro de nós, como um “pano de fundo”.

O que pode acontecer nesta fase, e vimos isso, é imaginar que se trata de período de férias, sendo possível, portanto, ir à praia ou ao shopping ao invés de ir para o trabalho. O pensamento predominante é o de “Está tudo bem, é só uma questão que fácil e rapidamente será resolvida!”. Neste contexto, se dados de realidade forem apresentados, provavelmente acharemos que se trata de pessimismo e exagero.

Para lidar com isso, tenha paciência. Faz parte deste processo, em que no momento, não é possível entrar em contato direto com a realidade crua.

FASE 02: Raiva

Não dá para fugir por muito tempo da realidade e nem há utilidade nisto. Então, as informações do que acontece fora de nós e do que está se passando dentro de nós, ainda que inconscientemente, começam a chegar à consciência. Começamos a ter que “digerir”, a ter que “tratar” tudo isso e, neste momento, podemos nos sentir excessivamente frágeis, expostos, ou com medo demais, e, desta forma, temos dificuldade de abordar da maneira adequada a situação. A carga de estresse pode estar sendo muito intensa… E como resolver isto de forma rápida, de maneira a aliviar a pressão interna?  A reposta mais básica é: explodindo, “descontando no outro”. Perguntas do tipo “Por que isto está acontecendo?” podem estar rondando a cabeça.Não há uma compreensão a respeito da situação e aí… a raiva!

Uma forma de percebermos isto, é ficarmos atentos à maneira com que reagimos ao outro; primeiro, dentro de casa, com as pessoas com quem estamos convivendo presencialmente e, também, com aqueles que estamos “convivendo” virtualmente, especialmente em grupos de WhatsApp. Uma forma grosseira de responder, uma provocação por assuntos variados como política ou religião, uma tentativa de se mostrar superior ao outro, que sabe mais, enfim, que domina aquele determinado assunto podem ser sinais da fase de raiva.

O problema é que uma discussão nesta hora é tudo o que não precisamos! Então, minha sugestão é a de que evitemos falar de assuntos que possam gerar desarmonia e desagregação. O que nos está sendo solicitado pela situação é justamente o contrário: união, entendimento no sentido de que somos iguais e que precisamos uns dos outros, mais bom senso, mais humildade e mais leveza, principalmente nos espaços físicos ou virtuais em que estamos, com o fim de propagar acolhimento, informação mas, também, conforto.

FASE 03: Negociação

Construções como teorias conspiratórias e percepções equivocadas como achar que poderiam ter evitado o que está acontecendo se tivéssemos feitos algo específico, pode aparecer nesta fase. Pensamentos como: “se eu fizer algo distinto, como lavar as minhas mãos por exemplo, tudo estará resolvido”; “se eu ficar em casa, sentado no sofá, já estará tudo sendo resolvido e, então, amanhã tudo estará diferente”; “estou fazendo a minha parte e isso é tudo o que posso”, podem ser observados. Se realmente for, ótimo, já ajuda muito. Mas será que amanhã já está tudo resolvido só por isso?

Nesta fase, a autopercepção pode ficar mais presente, e começamos a perceber onde poderíamos melhorar, o que poderíamos fazer diferente. Podemos até prometer para o outro, para nós mesmos ou para Deus, que seremos melhores, que “já nos transformamos o suficiente”, que “já pode-se parar o processo de transformação pois já alcançamos o que precisávamos”. Enfim, podemos tentar tudo para mudar a situação o mais rápido possível.

Mas, de repente, começamos a perceber que essa análise rasa de nós mesmos não está nos rendendo muito, que não estamos conseguindo mudar a situação tão rapidamente quanto queremos e que, lá fora e aqui dentro, as coisas ainda estão em movimento no seu curso, e que não viramos outra pessoa de um dia para o outro.

Podemos, sim, ser melhores a cada dia. Podemos, sim, perceber que ter acesso a muitas coisas sobre nós mesmos e sobre as escolhas que temos feito é algo importante e, mais do que isso, necessário.

FASE 04: Depressão

Não que todos nós ficaremos deprimidos. Não é isso. Isso seria uma análise absolutamente superficial e vã dessa fase. A palavra depressão nos sugere um direcionamento para dentro. Um olhar para dentro que pode, sim, ser acompanhado de tristeza, por exemplo. Nem sempre é fácil e “fofo” nos darmos conta de nós mesmos, de nossa realidade. Às vezes poderemos ficar mais retraídos, mais isolados; contexto possível diante do confinamento atualmente vivenciado. Mas estar isolado não é igual a se sentir só, a se sentir sozinho, solitário. É possível estar isolado, mas se sentir conectado, e isso vai depender, essencialmente, de uma conexão conosco e, depois, com as outras pessoas.

Neste momento, poderá ocorrer o período de mais ressignificação, de mais aprofundamento, de mais “presença de você com você mesmo”. Pode ser o período mais fértil. Respostas, novas formas, novas possibilidades, desejos, e resoluções podem surgir.  Poderemos perceber que o silêncio, ao invés de ser vivenciado como uma tortura, pode ser acalentador, pode ser um bálsamo para nossa alma.

Para isso, procure por seus recursos, por tudo aquilo que possa lhe fazer bem, que possa lhe ajudar a lidar consigo mesmo. Não vão adiantar aquelas estratégias de fuga usadas antes. Mas coisas que o ajudem a se conectar com algo dentro de você que lhe tragam alguma calma. Meditação, oração, música que o toca e o acalma, prática de Ioga ou algo das artes como pintar ou dançar são alternativas. Também, durante as reflexões, ocupar a mente com boas perguntas pode trazer boas respostas. Boas perguntas abrem, possibilitam caminhar por novos “espaços”, enquanto perguntas ruins o levam às mesmas respostas de sempre. Agora você pode começar a dar um novo significado a tudo o que está acontecendo e esse é um momento que pode trazer alívio para alma na medida em que amplia a percepção e a consciência.

FASE 05 (a última): Aceitação

Aqui compreendemos que às vezes, não podemos mudar a situação, mas podemos mudar a forma como a vivemos, percebendo o quão rica pode ser uma situação que antes era sentida como avassaladora.

O apoio mútuo, entendemos que vivemos em comunidade (comum+ unidade), e que nesse grupo de comuns, existe uma unidade. A humanidade. Podemos aproveitar esse momento para construir uma boa reação, um “bom combate”. Aceitação não é submissão, não é subjugação, muito menos, conformismo. É a perspectiva realista da situação externa e uma autopercepção coerente de nós mesmos que nos permite nos localizar e nos posicionar de forma saudável e ativa na vida, fazendo o que for possível para ajudar a todos a passar por esse período.

Melissa Coutinho

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