Sintoma – 3º de 5

A palavra sintoma permeia nossa vida, desde que nascemos até morrermos. Para tê-los, basta que estejamos vivos.

Esse é o terceiro de cinco textos, que construí sobre o sintoma em Psicanálise a partir do meu trabalho de conclusão de curso na Escola de Psicanálise da Bahia (EPBa), de mesmo tema. Resolvi dividir em cinco partes para torná-lo mais leve.

O sintoma em Lacan – A dimensão simbólica

Em primeiro lugar, é necessário ressaltar uma distinção que aparece na obra de Lacan, entre o sintoma e as estruturas. As estruturas clínicas, neurose, psicose e perversão são foco na Psicanálise, mas não os sintomas, é por isso que o fim de analise se concebe em termos de estrutura, e não de cura de sintomas. Na obra de Lacan, quando há referência ao sintoma, de forma geral, é relativo ao sintoma do neurótico, às manifestações perceptíveis da neurose. Na psicose, as manifestações “sintomáticas” são geralmente chamadas de fenômenos, e na perversão, chamadas de atos perversos.

Quando se retira um sintoma neurótico, geralmente, outro aparece. Por isso a meta não é a “remoção” dos sintomas, mas saber fazer com eles. Lacan enuncia: “saber como fazer (savoir-y faire) com seu sintoma, é isso o final da análise”. LACAN (O Seminário, livro 24: l’insu que sait de l’une bévue s’aile a mourre, aula de 16 de novembro de 1976, inédito)

Lacan, através da releitura que fez da obra de Freud, percorre um caminho em que teoriza sobre o sintoma, destacando-se dois momentos distintos.

No primeiro momento, no seu ensino inaugural, ele afirma que os sintomas neuróticos são formações do inconsciente, e sempre engendram uma relação com os desejos reprimidos conflituosos. Ao lado disso, ele se fundamenta no inconsciente estruturado como linguagem. Privilegia o campo do Simbólico, e enfatiza o deciframento em relação aos fenômenos analíticos. A pulsão então, estruturada como linguagem, é reduzida a uma cadeia significante.

Em 1953 em Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise, Lacan diz que o sintoma é um significante, e isso diferencia profundamente, a concepção médica da concepção psicanalítica. A medicina concebe o sintoma como um índice, um marcador objetivo, trazendo um sentido universal para os sintomas e seus aglomerados.

Para a Psicanálise não há sentido universal para um sintoma neurótico, pois é o produto de um sujeito, com a sua história singular.

Nesse contexto, é possível pensar que, se o sintoma é uma mensagem cifrada assim como as demais formações do inconsciente, é porque mantêm uma latência significante, que sustenta o sentido, e pode então ser definido como: “O sintoma, aqui, é o significante de um significado recalcado da consciência do sujeito”. Lacan (1953-1998, p 282) Ou seja, aparece como um sem sentido, por representar uma verdade subjacente.

Lacan (1953) disse ainda que o sintoma é fala dirigida ao Outro, lugar onde o sujeito recebe o sentido, sendo sua própria mensagem de forma invertida.

Cita ainda em Função e campo de fala e da linguagem em psicanálise, que o sintoma pode ser resolvido e liberado de seu sentido pela fala, em análise:

Pois se, para admitir um sintoma na psicopatologia, seja ele neurótico ou não, Freud exige o mínimo de sobredeterminação constituído por um duplo sentido, símbolo de um conflito defunto, para além de sua função, num conflito presente não menos simbólico, e se ele nos ensinou a acompanhar no texto das associações livres, a ramificação ascendente dessa linguagem simbólica, para nela detectar, nos pontos em as formas verbais se cruzam novamente, os nós de sua estrutura, já está perfeitamente claro que o sintoma se resolve por inteiro numa análise linguageira, por ele mesmo ser estruturado como uma linguagem, por ser linguagem cuja fala deve ser libertada.  LACAN (1953/1998, p. 270)

Lacan relaciona o sintoma como a metonímia e com a metáfora: “[…] deslocamento simbólico empregado no sintoma”. LACAN (1953/1998, p. 261) E segue identificando os sintomas com a significação:

“O sintoma, aqui, é o significante de um significado recalcado da consciência do sujeito. Símbolo escrito na areia da carne e no véu de Maia, ele participa da linguagem pela ambiguidade semântica que já sublinhamos em sua constituição”. LACAN (1953/1998, p. 282)

O que Freud chamou de sobredeterminação do sintoma, ou seja, o sintoma é sempre complexo, Lacan esclarece que a sobredeterminação é a articulação das cadeias significantes durante o processo de deciframento do sintoma, ou seja, pela metáfora e metonímia (equivalente à condensação e ao deslocamento), faz deslizar e desdobrar os significantes ligados ao sintoma. A associação livre se dá pela via do significante, e não do significado, o que importa então, é o lugar de um significante em relação a outro significante. O significado é então, um significante que junto com outro significante anterior, produz sentido.

Em 1961, no Seminário 9, A identificação, Lacan começa a falar de uma outra maneira sobre a complexidade que um sintoma carrega:

Se para nós a repetição sintomática tem um sentido para o qual lhes dirijo novamente, ref1itam sobre o alcance de seu próprio pensamento. Quando vocês falarem da incidência repetitiva na formação sintomática, é na medida em que o que se repete está lá; não apenas a função natural do signo, que é de representar uma coisa que seria aqui atualizada, mas para presentificar como tal o significante que essa ação se tornou. Digo que é enquanto o que está recalcado é um significante, que o ciclo de comportamento real se apresenta em seu lugar. LACAN (1961-1962)

Ele aponta à presença do Real, ao que se repete, se atualiza não apenas pelo significante, por assim dizer, mas por algo que se presentifica, se apresentando no seu lugar.

Melissa Coutinho
Desenho do artista Riolan Coutinho

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