Sintoma – 4º de 5

A palavra sintoma permeia nossa vida, desde que nascemos até morrermos. Para tê-los, basta que estejamos vivos.

Esse é o quarto de cinco textos, que construí sobre o sintoma em Psicanálise a partir do meu trabalho de conclusão de curso na Escola de Psicanálise da Bahia (EPBa), de mesmo tema. Resolvi dividir em cinco partes para torná-lo mais leve.

TEXTO 4

O sintoma em Lacan – A dimensão real

Freud vinculou o conceito de satisfação pulsional ao sintoma desde o início de sua teoria, satisfação/insatisfação contida no sintoma. Essa formulação freudiana se aproxima muito do último ensino de Lacan, contudo diferem quanto a possibilidade de deciframento, pois para Freud, o sintoma histérico, pelo viés do fantasma, pode ser decodificado e simbolizado. Para Lacan o sintoma pode ser decodificado, pelo viés dos Simbólico, mas há o sinthome, que se relaciona ao gozo, não como forma de gozo do corpo, mas como forma de ser no mundo, situando-o fora do campo da interpretação analítica, relacionado à dimensão Real.

Lacan ao longo de seu ensino, esclarece que o “alcance” do recalcado é estruturalmente impossível, e que o significado permanece, de algum modo discordante, sempre incompleto. Acontece então uma mudança na concepção da “verdade plena” que pode ser apreendida pela fala, para uma meia-verdade, algo que pode ser dito não-todo, marcando a presença de algo do significado, que é resistente ao significante, sempre escapando. Lacan inaugura nesse momento a dimensão Real do sintoma.

De início, é necessário esclarecimento quanto ao termo usado: sinthome, symtôme, sinthoma ou síntoma, que se referem a mesma coisa, diferenciando este, do sintoma relacionado ao Simbólico, já trabalhado anteriormente.

O termo sinthome é introduzido por Lacan no seu Seminário de mesmo título, em 1975/76. Mesmo antes dessa data, já havia algumas produções que antecipavam uma grande mudança quanto ao conceito de sintoma, uma mudança radical, que ao invés de anular a concepção anterior, soma-se a ela.

Em 1957 ele estabelece uma relação entre o “sintoma” e um processo inscrito, como uma escritura, implicando em uma diferença marcante em relação ao sintoma como mensagem a decifrar. Mais adiante, Lacan afiram que o “sintoma” não é interpretável, não é uma mensagem endereçada ao Outro, mas puro gozo que não se dirige a ninguém: “O sintoma, por natureza, é gozo, não se esqueçam disso, gozo encoberto, sem dúvida, untergebliebene Befriedigung, não precisa de vocês como o actin out, ele se basta”. LACAN (1963, p.141)

Em 1975/1976, em Do sentido do sexo e do real, Lacan abre o capítulo mantendo essa ideia: “Orientação do real, foraclusão de sentido. O real não se liga a nada. O sinthoma de Joyce é inanalisável […]”. LACAN (p.115)

No Seminário RSI, Lacan delineia mais claramente o sinthome como uma modalidade de gozo do Sujeito, diferindo claramente do sintoma que se relaciona ao inconsciente estruturado como linguagem, e decifrável: […] maneira como cada um goza do inconsciente enquanto o inconsciente o determina. LACAN (18/02/1975 – ano da publicação da Ornicar, p.106).

Com base conceitual para esse caminho de formulação, Lacan passa da linguística à topologia. No seminário 23, O Sinthoma, ele já diferencia o sintoma relacionado à linguística do sinthoma relacionado ao Real:

Quero dizer que ele se figura como enodado com ele. O que supus há pouco é que eu reduzia o sinthoma, que está aqui, a alguma coisa que corresponde não à elucubração do inconsciente, mas à realidade do inconsciente. […] se o sinthoma é considerado equivalente do real […]. LACAN (1975/1976, p. 134-135)

Nesse momento Lacan ainda leva em conta apenas três nós, Simbólico, Imaginário e Real, equivalendo o sinthoma ao Real.

No Seminário RSI, Lacan separa o sinthoma dos três nós anteriores (Real, Simbólico e Imaginário), e o coloca como um quarto nó, sendo uma estrutura fundamental do Sujeito. Pois, para ele, este quarto nó é o responsável pela união, pelo enlace dos três outros, constituindo um modo de gozo singular.

Dessa forma, o termo sinthoma passa a designar algo que está para além de qualquer formulação significante, impossível de alcançar pelo simbólico. E aqui fica mais evidente a mudança radical de conceito posto que, ao invés do sinthoma ser resolvido em análise, ele passa a um estatuto de uma organização singular de modo de gozo, que nada mais é do que o que permite estar vivo, e em relação com os demais. E a análise passa então a ser conduzida de modo que, ao final dela, há a constituição do sinthoma ao final, como amarração do ponto de gozo do falasser. O Sujeito possa estar “identificado” com seu sinthoma.

Melissa Coutinho
Desenho do artista Riolan Coutinho

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