Sintoma – 2º de 5

A palavra sintoma permeia nossa vida, desde que nascemos até morrermos.
Para tê-los, basta que estejamos vivos.

Esse é o segundo de cinco textos, que construí sobre o sintoma em Psicanálise a partir do meu trabalho de conclusão de curso na Escola de Psicanálise da Bahia (EPBa), de mesmo tema. Resolvi dividir em cinco partes para torná-lo mais leve.

TEXTO 2
O sintoma em Freud

Freud começa a construção da Psicanálise através da observação e acompanhamento de casos de neurose de conversão.

Em 1917, no início de seu texto Caminhos da formação dos sintomas, Freud tenta delimitar o tipo de sintoma a que ele está se referindo, especificando o sintoma psíquico como seu objeto de estudo naquele momento, e procura classificar o sintoma em termos dos resultados que causa na vida do sujeito.

Ele constrói um percurso lógico, iniciando pela demonstração dos prejuízos causados psiquicamente como gasto excessivo de energia psíquica, e concretamente, na vida cotidiana, devido aos desarranjos e desajustes acarretados pelos sintomas.

É importante ressaltar que nesse momento, ele está focado no sintoma do neurótico, referindo-se a neurose de histeria.

Para Freud o sintoma se forma como resultado de um conflito de duas forças antagônicas, uma relativa à satisfação libidinal que busca a satisfação, e o Eu, relacionado ao senso de realidade e a seus padrões culturalmente envolvidos, buscando a manutenção de sua integridade. 

Nesse conflito, as forças pulsionais, são recalcadas e retiradas da consciência, portanto regredindo a instâncias mais primitivas. Porém essa libido insatisfeita busca outra via de satisfação, por caminhos indiretos, construindo assim um substituto, o sintoma, como um acordo para uma possibilidade de satisfação. Dessa forma, se cria uma relação de compromisso,encontrando assim, uma conciliação entre as pulsões e o Eu.

A resistência que tem um sintoma é justificada exatamente pelo apoio que este encontra nos dois lados, por ambas as partes “em luta”. De um lado a libido insatisfeita, que foi repelida da realidade, e procura novas formas de se satisfazer, e por outro o Eu, com seus padrões que produzem o recalcamento.

Nessa dinâmica, a libido regredida buscará trilhar caminhos já conhecidos, seja em fases anteriores do desenvolvimento infantil, seja em objetos que já havia abandonado. É pela via da fixação que é possível entender esse percurso, como uma concentração ou investimento de energia psíquica numa dada direção, que nesse momento serve novamente de via de escoamento da libido, mas agora, de forma indireta.

Porém, mesmo com a construção desse caminho indireto, com a formação de um sintoma, ainda assim, este não escapa inteiramente da censura do Eu, e é atravessado pelos processos básicos do inconsciente, presentes na formação dos sonhos, a condensação e o deslocamento.

Cabe aqui, esclarecer cada um desses processos primários:

A condensação é um mecanismo que combina vários elementos. Uma única representação comprime, condensa várias cadeias associativas, como uma tradução resumida – uma versão abreviada dos conteúdos latentes do sonho. 

O deslocamento pode ser representado como uma ponte, que une conteúdos distintos. Esse processo é resultado de uma ação psíquica que retira a intensidade de elementos que possuem alto valor psíquico e os desloca para elementos com baixo valor psíquico, ou seja, um aspecto secundário pode adquirir novo valor.

Como resultado desse processo maior, que é a estruturação e o funcionamento psíquico, o sintoma aparece como um resultado desfigurado e extremante complexo. “[…] uma peça de ambiguidade engenhosamente escolhida, com dois significados em completa contradição mútua”. Freud (1917/1996, p. 363)

Por conta dessa regressão feita pela libido na formação do sintoma às fases de desenvolvimento infantil e a determinadas atitudes em relação aos objetos, pontos estes relacionados a experiências de satisfação infantil, Freud diz que o sintoma em sua essência traz uma satisfação sexual substitutiva para desejos sexuais não realizados, ou seja, um substituto de algo que foi recalcado. O sintoma então é concebido de início, como o retorno do recalcado e o trauma estaria na base real do sintoma, como um evento traumático que realmente teria acontecido. Porém ao longo de sua teoria, o trauma vivido como real, muda para a concepção da fantasia, o trauma então passa a ser entendido como parte da realidade psíquica do sujeito, e ligado à fantasia. Com essa mudança de abandono da teoria do trauma, a compreensão da formação do sintoma também se transforma, e passa a ser relacionada à realização de uma fantasia, ainda de conteúdo sexual.

No mesmo período, Freud propõe uma equação etiológica da neurose, onde essa seria o resultado do encontro entre uma experiência traumática e uma pré-disposição à fixação da libido, que por sua vez é construído pela constituição sexual e experiências infantis.

Foi a partir da escuta do discurso histérico, com todo o “colorido” corporal que ele expressa, que o sintoma pôde ser associado com a realização de uma fantasia de conteúdo sexual, e que provém de fontes pulsionais.

Foi possível relacionar o sintoma a um sentido, um sentido inconsciente, mesmo que o sujeito nada saiba sobre isso. E, para além disso, o sintoma também serve (servo) a uma satisfação, ligada ao Real (para Freud, a castração), que o sujeito vivencia como sofrimento.

Em vários momentos Freud refere-se a um tipo de satisfação ligada ao sofrimento, ao que Lacan depois vai denominar como gozo.

Nos anos de 1920, Freud avança em sua teoria, e introduz a segunda tópica do aparelho psíquico. A partir dessa noção, ele percorre um caminho no sentido de demonstrar que, para além do princípio de prazer, há um “gozo”, algo impossível de se assimilar, representar, ou simbolizar, evidenciando o caráter problemático e complexo que o sintoma traz em sua constituição.

Em Inibições, Sintomas e Ansiedade, Freud (1926) ressalta que, se por um lado, o Ego consegue isolar o impulso libidinal, através do processo de recalque, por outro isso não acontece em sua totalidade, pois esse impulso continua a existir de forma independente do Ego. O processo que começa por um recalque a um impulso, se transforma em uma luta contra o sintoma. Como o Ego é uma organização, ele vai buscar uma síntese, uma unificação, um meio de agregar esse sintoma isolado, a si mesmo, por meio de vínculos. Então, passa a reconhecer o sintoma, aceitando sua existência, e dessa forma pode tirar proveito dele. “Ele faz uma adaptação ao sintoma – a essa peça do mundo interno que é estranha a ele – assim como normalmente faz em relação ao mundo real”. (Freud, 1826/1996, p. 101)

Gradativamente, o sintoma vai se unindo ao Ego, chegando a tornar-se útil e até indispensável a ele, pois passa a gerar o que comumente se chama de “ganho secundário” do sintoma, aumentando a sua fixação, e consequentemente a resistência a qualquer movimento no sentido de afrouxar essa relação.

Na conferência XXXII – Ansiedade vida instintual, Freud (1996) chama a atenção para a relação entre angústia e formação dos sintomas, de forma que eles se representam e se substituem mutuamente, e propõe uma ordem de surgimento, desencadeadora do processo.

“E, parece com efeito, que a geração da ansiedade é o que surgiu primeiro, e a formação dos sintomas, o que veio depois, como se os sintomas fossem criados a fim de evitar a irrupção do estado de ansiedade”. (Freud, 1933/1996, p. 87)

De fato, aquilo que é temido, é a própria energia pulsional. Esse processo, mesmo desprazeroso, é mantido devido a essa satisfação presente nos atos de descarga dessa energia. Sob a influência de um automatismo a repetição, o impulso segue trilhando os caminhos mais antigos e conhecidos, já citados anteriormente. Nesse momento tem-se claramente que o sintoma é um “estrangeiro”, estranho ao Ego, mas também uma via de satisfação pulsional, indireta, deformada, e que gera desprazer.

Em O Mal-estar na Civilização, Freud postura pela primeira vez sobre a pulsão de morte.

[…] ao lado do instinto para preservar a substância viva e para reuni-la em unidades cada vez maiores, deveria haver um outro instinto, contrário àquele, buscando dissolver essas unidades e conduzi-las de volta a seu estado primevo e inorgânico. Isso equivale a dizer que, assim como Eros, existia também um instinto de morte. Freud (1930/1969, p.122)

Nesse caminho, Freud expõe e trabalha sobre a face opaca da pulsão, que é a responsável pela repetição, gerando sempre um retorno a um mesmo lugar, de desprazer, que por sua vez proporciona uma satisfação paradoxal: o sujeito goza em seu mal-estar, para além do princípio de prazer.

Melissa Coutinho
Desenho do artista Riolan Coutinho

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