Sintomas – 5º de 5

A palavra sintoma permeia nossa vida, desde que nascemos até morrermos. Para tê-los, basta que estejamos vivos.

Esse é o quinto de cinco textos, que construí sobre o sintoma em Psicanálise a partir do meu trabalho de conclusão de curso na Escola de Psicanálise da Bahia (EPBa), de mesmo tema. Resolvi dividir em cinco partes para torná-lo mais leve.

TEXTO 5
Considerações 

Para trabalhar com os conceitos psicanalíticos, é necessária uma vasta pesquisa, principalmente em relação aos conceitos fundamentais, pois estes, são extremamente complexos e ricos, se transformam e evoluem a partir da clínica, agregando sempre novas informações e perspectivas. Portanto, como disse Lacan: “Afirmamos, quanto a nós, que a técnica não pode ser compreendida nem corretamente aplicada, portanto, quando se desconhecem os conceitos fundamentais”. LACAN (1953/1998, p. 247)

Trabalhar com o conceito de sintoma para a Psicanálise, é necessariamente, passear pelas obras de Freud e Lacan, acompanhando o surgimento da própria Psicanálise, com suas formulações características. É perceber como a clínica interfere diretamente na construção teórica e como a teoria embasa a prática clínica.

Miller, no livro El partenair-síntoma, faz um apanhado das produções de Lacan, relacionando às produções de Freud, sobre sintomas, de forma a esclarecer mais ainda as distinções que existem no conceito de sintoma, aprofundando o tema.

Quanto se refere ao sintoma, relacionado ao Simbólico, ele esclarece:

Hay sintoma cuando algo no funciona como debería. Al mismo tempo, la palavra sintoma agrega algo a la disfunción. Agrega que em este fracaso del funcionamiento se revela algo de verdadero. El sintoma significa que la disfunción revela uma verdad, constituye uma umergencia de la verdade. MILLER (2011, p 23)

Assim, o sintoma aparece como a verdade, verdade velada, como um elemento que perturba um saber. Ele associa esse saber à ciência, um saber, por assim dizer, articulado que tem uma ordem previsível. E continua:

Por esto, el sintoma aparece como lo que hay que suprimir, o cambiar, o retificar, lo que hay que hacer desaparecer em tanto elemento que perurba, y a este respecto es la consecuencia del concepto mismo de represión y su correlato, el retorno de lo reprimido. Este passaje de Lacan es la cuminación según la cual lo que está reprimido es la verdade y su retorno se hace bajo la forma de sítoma. Miller (2011, p 26)

Como Freud havia dito na sua suposição inicial, nesse ponto, a ideia é que uma vez interpretada a verdade do sintoma, ele desapareceria. Porém, o próprio Freud a partir de sua clínica percebeu que de fato, não acontecia exatamente isso. Algo permanecia, e por isso, ele criou vários conceitos, no intuito de dar conta desse fato, como a transferência negativa, o masoquismo, a resistência e a pulsão de morte. Todos esses conceitos foram retomados por Lacan, para ampliar sua concepção de sintoma, e acrescentar o sintoma como verdade, mas de uma maneira diferente da anterior, e até mesmo oposta. Nesse ponto aparece a articulação com o Real, e o sintoma passa a ser escrito com sinthoma, para diferir um do outro.  

Se trata de que el sintoma, para decirlo simplesmente, no es uma disfunción, sino que es um funcionamiento. Es decir, no se opone al funcionamiento del campo de lo real, no se opone al funcionamiento del saber em lo real, sino participa de ese funcionamiento y por eso precisamente el del mismo orden que lo real. MILLER (2011, p. 26)

Essa grande virada conceitual influencia outros conceitos como direção e fim de análise, pois amplia a concepção de alcance singular, relativo ao Sujeito e ao sintoma e sinthoma.

Essa complexidade abarca a psicodinâmica que organiza as forças pulsionais no corpo, e relacionada ao Simbólico, indo além, e acrescentando a presença do Real de forma veemente na vida do falasser, a través do sinthoma, como o que permite a este, se sustentar no mundo.

Como a sua “impressão digital”, única, que o singulariza e identifica, no “mar das relações”, ajudando a falasser, a se tornar quem ele é: “Só fui assim para me transformar no que posso ser”. LACAN (1953/1998, p. 252)

É dessa forma que se existe no mundo, e é para essa direção que uma análise caminha, incluindo os diferentes conceitos de sintoma.

Melissa Coutinho
Desenho do artista Riolan Coutinho

Bibliografia
  • FREUD, S. A interpretação dos sonhos e sobre os sonhos. Rio de Janeiro: Imago. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol V, 1996 [1900].
  • FREUD, S. Caminhos da formação dos sintomas. Rio de Janeiro: Imago Edição Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Vol. XVI, 1996 [1915-1916].
  • FREUD, S. Além do princípio de prazer. Rio de Janeiro: Imago Edição Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Vol. XVIII, 1996 [1920-1922].
  • FREUD, S. Inibições, Sintomas e Ansiedade. Rio de Janeiro: Imago Edição Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Vol.XX, 1996 [1925-1926].
  • FREUD, S. O Mal-estar na Civilização. Rio de Janeiro: Imago Edição Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Vol.XXI, 1996 [1927-1931].
  • FREUD, S. Ansiedade e Vida Instintual. Rio de Janeiro: Imago Edição Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Vol.XXII, 1996 [1932-1936].
  • LACAN, J. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998 [1953].
  • LACAN, J. O Seminário livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995 [1954-1955].
  • LACAN, J. O seminário livro 5: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999[1957-1958].
  • LACAN, J. O seminário livro 7: A ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991 [1959-1960].
  • LACAN, J. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente. Em Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, pp.807-842, 1998 [1960].
  • LACAN, J. O Seminário livro 9: A identificação. Recife: Centro de estudos Freudianos do Recife, 2003 [1961-1962].
  • (Publicação não comercial exclusiva para os membros do Centro de Estudos Freudianos de Recife)
  • LACAN, J. O Seminário livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005 [1962-1963].
  • LACAN, J. O Seminário livro 22: RSI. Não publicado no Brasil: Ornicar? n° 4, ano de publicação: 18 /02/1975 [1974-1975].
  • LACAN, J. O seminário livro 23: O sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005 [1975-1976].
  • LACAN, J. O Seminário, livro 24: l’insu que sait de l’une bévue s’aile a mourre, aula de 16 de novembro de 1976, inédito.
  • MILLER, J-A. El partenaire-síntoma. Buenos Aires: Paidós, 2011.

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